A humanidade não deu certo

Soube hoje, quatro dias depois, veja em que mundo eu vivo, que o ator Flávio Migliaccio morreu. Suicidou-se. Deixou uma carta. Diz ali, entre outras coisas, que “a humanidade não deu certo”. Concordo, ainda que não acredite que ele pense a humanidade como eu. Não sei e nunca busquei saber o que ele pensava filosoficamente ou ideologicamente.

Lembro dele com um carinho especial, ainda que não tenha acompanhado toda sua carreira, mas este carinho vem do tempo que assistia vidrado a Shazan, Xerife & Cia., um seriado que passava na TV nos meados do anos 1970, e eu pequeninho, adorava. E mais por ele, o Xerife, que considerava mais engraçado e mais ingênuo. Era uma atração personalística, porque sempre me achei ingênuo ao tratar com outros. O Shazan de Paulo José era esperto, mas não me atraia tanto.

Mas estou escrevendo isto e compartilhando com vocês que estão aqui lendo porque fiquei intrigado com o trecho “a humanidade não deu certo”.

Vou fazer aqui uma divagação sobre isso por um prisma que me é mais importante no momento. E pra isso, pra ficar na área em que ele, pra mim, foi um gênio ingênuo, lembrarei uma peça de teatro. A peça é Rinoceronte, de Eugène Ionesco, que acredito poucos tenham lido (como eu) ou visto nos teatros (coisa que nunca vi). Ele teria feito maravilhosamente Berenger, o personagem maltrapilho.

Não entrando em detalhes, mas já resumindo pra vocês, a peça trata de personagens que, à medida que a peça avança, vão se tornando rinocerontes. Era, quando foi lançada, e hoje ainda, um clara alusão ao pensamento hegemônico que penetra a mente das pessoas e passam, elas todas, a agir como uma manada.

“A humanidade não deu certo”. Será que era isso que ele queria dizer? Viramos gado de esquerda ou de direita? Será que, como eu, meu querido Xerife, o ator Flávio Migliaccio, via nestes bobocas brasileiros, americanos, chineses, russos, etc. um bando de rinocerontes (gado)?

Talvez sim, talvez não. No entanto, deixo aqui a minha observação e meu carinho ao ator. Acredito que o povo, como mostra a crítica à humanidade de Ionesco, não enxerga a realidade. O que milênios de experiências e erros nos dizem. Muito Estado, ou estritamente o Estado e seus agentes (os super-homens temporários ou vitalícios), nada fazem pelas pessoas comuns. O Estado se perpetua a si mesmo e já gerou uma hegemonia de pensamento de “necessidade dele” no vasto rebanho de rinocerontes.

A humanidade não deu certo, agora sem aspas, para concordar com Xerife.    

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