Dois discursos pela liberdade em Benjamin Constant

Da Redação

Benjamin Constant era o líder do grupo de Coppet[1] e um dos mais famosos oponentes de Napoleão I. Nasceu em 1767, em Lausanne, e morreu em 1830, em Paris. Isaiah Berlin chamou Constant “o mais eloquente de todos os defensores da liberdade e da privacidade”.

Defensor do laissez-faire, na conclusão do Comentário à obra de Filangieri[2] (1822), Constant afirmou: “Para o pensamento, para a educação, para a indústria, o lema dos governos deve ser: deixe-o ir e deixe-o ir”. A liberdade é, portanto, estabelecida pela fronteira estrita que separa a esfera pública da esfera privada. É neste quadro filosófico que se enquadram os textos que a Editora Awning apresenta neste livro A Liberdade Em Dois Discursos.

No primeiro texto – Sobre A Liberdade De Imprensa – ele deixa claro que são os indivíduos que são livres e a liberdade de imprensa é, portanto, inseparável da liberdade individual. Constant diz que a liberdade de imprensa não é, como se poderia pensar, um simples complemento à liberdade de pensamento. É a liberdade de se pensar que forma a comunidade política. E o pensamento deve se manifestar para se formar. Precisa de debate, discussão, confronto com outros pensamentos. A imprensa é – ontem mais, hoje menos, mas ainda uma parte importante se considerarmos a aldeia global que se formou em torno das redes sociais digitais – o meio que contribui para a formação da opinião. Na época de Benjamin Constant, la presse, era a única. É também o “contra poder” da imprensa que permite ao cidadão controlar o poder existente, avaliá-lo, criticá-lo. A liberdade de imprensa contribui, portanto, para a transparência do poder e, portanto, para a proteção da privacidade.

Neste primeiro texto, há que se notar, do ponto de vista consequencialista, os males produzidos pela censura e vigilância, que são sempre maiores do que aqueles que se gostaria de remediar. Ao banir o discurso de ódio, como muito se fala hoje em dia, está-se eliminando o ódio racial ou religioso? Ao contrário, torna-o subterrâneo, mais insidioso e, portanto, ainda mais difícil de detectar e lutar.

Há que se notar também que Constant considera que a palavra que pode ser punida é aquela em que conduz alguém a uma ação penal. A palavra poderia então ser considerada como uma ação e a força pública poderia intervir legitimamente.

E um terceiro aspecto a se observar no texto sobre a liberdade de imprensa de Constant é que ele acredita que conceder a qualquer autoridade o direito de censurar equivale a conceder-lhe infalibilidade. Mas, uma vez que todos podemos cometer erros, a única maneira certa de defender a verdade e o bem comum é corrigir nossos erros aceitando críticas. A legislação, portanto, não tem que intervir para destruir erros, nem para apoiar esta ou aquela opinião. O erro destrói a si mesmo quando a discussão é livre.

A implementação de uma política de laissez-faire para a imprensa, baseada na proteção da liberdade de expressão, não só está mais em conformidade com a dignidade humana, mas também leva, através do jogo da competição, a um resultado ótimo para todos: a seleção de opiniões melhores e mais justas.

Considerando-se hoje o fato de a imprensa estar amplamente subsidiada por dinheiro público, mais importante ainda é se deixar livre o uso da palavra. A dita imprensa mainstream perdeu sua independência de há muito, enroscada que está em dívidas e com o pires na mão, esticada diante de políticos e burocratas. Ou seja, está escravizada à burocracia e à aristocracia política.

Com o vemos pelo que ocorre no Brasil hoje, considerando até este contexto da comunicação social, a democracia não é suficiente para estabelecer a liberdade. Também é necessário ter meios para publicar informações sem medo de repressão e censura. Uma das lições a serem aprendidas com a leitura deste texto de Benjamin Constant é que a livre competição entre ideias constitui, tanto do ponto de vista moral, quanto político, a melhor maneira de descobrir a verdade. Esta nunca existe pronta. Sempre surge da luta contra o erro. É por meio da crítica aos nossos erros e falsas certezas que nos aproximamos da verdade. A conclusão é, portanto, evidente: toda interferência do Estado no debate público e na comunicação de ideias deve ser rejeitada.

No segundo texto – Sobre A Liberdade Dos Antigos Comparada Com A Dos Modernos – é um discurso proferido por Benjamin Constant em 1819, no qual compara as concepções de liberdade dos cidadãos da Grécia e da Roma antiga e as das sociedades modernos (no tempo dele).

A liberdade, no sentido dos Antigos, basear-se-ia na cidadania plena e na fraca separação entre a vida privada e a pública. A cidadania dos Antigos “consistia na participação ativa e constante no poder coletivo” e consistia em “exercer coletivamente, mas diretamente, várias partes de toda a soberania” e, exceto em Atenas, consideravam que essa visão de liberdade era compatível com “a subjugação completa do indivíduo à autoridade do todo”.

Ele toma o exemplo de Terpandro que, no tempo de Esparta, foi condenado pelos éforos por ter acrescentado uma corda (ou três) à sua lira sem avisá-los; ou o princípio do ostracismo em Atenas, mostrando que o Estado regulamenta tudo. Por isso, Constant denuncia os “antigos” como incapaz de propor um modelo para a sociedade moderna por desconhecer a legitimidade do conceito de independência individual. ­­­

Já a liberdade dos modernos consiste na possibilidade de cada um fazer o que considerar o bem para si, numa proteção da esfera privada, conceito ausente, segundo Constant, nos antigos. A liberdade está, portanto, ancorada no individualismo: “O objetivo dos modernos é a segurança no usufruto privado; e chamam de liberdade as garantias concedidas pelas instituições a esses gozos”, e que “a independência individual é a primeira necessidade dos modernos”. A liberdade seria, assim, “antissacrificial”, porque nenhuma instituição pode exigir que o indivíduo se sacrifique por ela.

Nos seus argumentos, ele diz que os erros da Revolução Francesa seriam o resultado da aplicação da liberdade moderna de princípios políticos a pessoas ainda pensando como os antigos. Constant critica, então, o abade Mably que, influente na época da revolução, lamentava que a lei incidisse apenas sobre as ações e não sobre o pensamento (vejam, o grau de arbítrio neste pessoal da revolução). Isso explicaria a admiração de Mably por Esparta. Constant critica também o pensamento de Jean-Jacques Rousseau, que defende uma dedicação do cidadão ao Estado, o que acabaria levando a exigência do indivíduo se sacrificar por esta instituição.

Portanto, leitor, estão aí dois textos clássicos de Benjamin Constant que mostram mais uma vez, conforme aponta no nome desta coleção pinçada pelo Instituto Convivivm, que o Ontem tem uma cara de Hoje e vice-versa. Mudam-se os personagens, mas não muda a natureza humana.


Resenha escrita por Cláudio Toldo, diretor da Editora Awning.


[1] O grupo Coppet (Groupe de Coppet), também conhecido como o círculo Coppet, foi uma reunião intelectual e literária informal centrada em Germaine de Staël durante o período de tempo entre o estabelecimento do Primeiro Império Napoleônico (1804) e a Restauração Bourbon de 1814-1815. O nome vem do Castelo Coppet, na Suíça. O grupo, que deu continuidade às atividades dos salões anteriores de Madame de Staël, teve uma influência considerável no desenvolvimento do liberalismo e do romantismo do século XIX. Stendhal referiu-se aos convidados Coppet como “os Estados Gerais da opinião europeia”.

[2] Gaetano Filangieri (1753-1788) foi um jurista e filósofo italiano. Os dois primeiros livros de sua grande obra, La Scienza della legislazione, apareceram em 1780. O primeiro livro continha uma exposição das regras sobre as quais a legislação em geral deveria proceder, enquanto o segundo era dedicado às questões econômicas. Nestas obras ele se mostra um reformador ardente e veemente na denúncia dos abusos de seu tempo. Ele insistiu no comércio livre ilimitado e na abolição das instituições medievais que impediam a produção e o bem-estar nacional. Seu sucesso foi grande e imediato não apenas na Itália, mas em toda a Europa.

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