O Conceito de Esquerda

O ensaio abaixo é uma tradução de The Concept of the Left, de Leszek Kolakowski, retirado do livro Toward a Marxist Humanism: essays on the Left today (1968). Entre chaves […] há observações de contexto feitas pelo tradutor**.

Preâmbulo

Em 1966, [o Primeiro Secretário do Partido Operário Unificado Polaco, Wladyslaw] Gomulka, expulsou Leszek Kolakowski do Partido Comunista Polonês por ter defendido o levante de 1956 que tentava impedir uma recondução dele ao poder. Em seguida, Kolakowski foi demitido do departamento de filosofia da Universidade de Varsóvia.

A história já é familiar demais para ser necessário comentá-la. Precisamos apenas observar que o que os Estados Unidos fazem com o Irã, Guatemala e Vietnã [na época de publicação deste texto], a URSS faz com a Polônia, Hungria e Tchecoslováquia, e que o que os países deste bloco fazem com seus principais intelectuais, os Estados Unidos fazem com dezenas de seus jovens professores. A assinatura de nosso período está em parte na honra que cerca um certo tipo de derrota.

Ao longo de toda a coleção da qual este ensaio foi tirado, Toward a Marxist Humanism: essays on the Left today [Rumo a um Humanismo Marxista: ensaios sobre a Esquerda hoje. Livro publicado em 1968], a constante meditação de Kolakowski — fria, equilibrada, nunca declinando à amargura — é precisamente sobre esse impasse. Na sua doçura que nunca é sentimental, no seu desapego que nunca se desfaz, na sua solidão que nunca se distancia, podemos reconhecer o verdadeiro Camus.



Leszek Kolakowski*

CADA TRABALHO DO HOMEM é um compromisso entre o material e a ferramenta. As ferramentas nunca são exatamente iguais às suas tarefas, e nenhuma está além do aprimoramento. Além das diferenças na habilidade humana, a imperfeição das ferramentas e a resistência dos materiais, juntas, estabelecem os limites que determinam o produto final. Mas a ferramenta deve caber no material, não importa quão remotamente, se não for para produzir uma monstruosidade. Você não pode limpar adequadamente os dentes com uma broca de óleo ou realizar operações cerebrais com um lápis. Sempre que tais tentativas foram feitas, os resultados sempre foram menos do que satisfatórios.

A ESQUERDA COMO NEGAÇÃO

As revoluções sociais são um compromisso entre a utopia e a realidade histórica. A ferramenta da revolução é a utopia, e o material é a realidade social sobre a qual se quer impor uma nova forma. E a ferramenta deve se encaixar em algum grau na substância se os resultados não se tornarem ridículos.

Há, no entanto, uma diferença essencial entre o trabalho com objetos físicos e o trabalho com a história; para esta última, que é a substância, também se cria as ferramentas usadas para dar forma a ela. Utopias que tentam dar uma nova forma à história são elas mesmas produto da história, enquanto a própria história permanece anônima. É por isso que, mesmo quando as ferramentas se revelam grosseiramente inadequadas para o material, ninguém tem culpa, e seria insensato responsabilizar alguém.

Por outro lado, a história é um produto humano. Embora nenhum indivíduo seja responsável pelos resultados do processo histórico, cada um ainda é responsável por seu envolvimento pessoal nela. Portanto, cada um também é responsável por seu papel na formação de ferramentas intelectuais usadas sobre a realidade para mudá-la — para aceitar ou rejeitar uma determinada utopia e os meios empregados para percebê-la.

Construir uma utopia é sempre um ato de negação em relação a uma realidade existente, um desejo de transformá-la, o oposto de construção — é apenas o oposto de afirmar as condições existentes. É por isso que faz pouco sentido censurar alguém por cometer um ato destrutivo e não construtivo, porque todo ato de construção é necessariamente uma negação da ordem existente. No máximo, você pode censurá-lo por não apoiar a realidade que existe e por querer mudar isto; ou, por outro lado, por aceitá-la sem ressalvas, sem buscar mudança; ou, finalmente, por buscar alterá-la. Mas uma posição negativa é apenas o oposto de uma atitude conservadora em relação ao mundo, sendo a negação em si mesma apenas um desejo de mudança. A diferença entre trabalho destrutivo e construtivo está em uma mistificação verbal decorrente dos adjetivos usados ​​para descrever as mudanças, que são consideradas boas ou ruins. Toda mudança é, na verdade, um ato negativo e positivo ao mesmo tempo, e o oposto apenas de uma afirmação das coisas como elas são. Explodir uma casa é tão construtivo quanto construir uma — e ao mesmo tempo tão negativo. Claro que isso não significa que é a mesma coisa se alguém destrói ou constrói uma casa. A diferença entre os dois atos é que o primeiro, na maioria das vezes, funciona em detrimento das pessoas envolvidas, e o segundo é quase sempre em seu benefício. O oposto de explodir uma casa não é construir uma nova casa, mas manter uma existente.

Esta observação servirá para conduzir as conclusões cujo objetivo é definir mais de perto o significado que atribuímos ao conceito de Esquerda Social. A esquerda — e esta é sua qualidade imutável e indispensável, embora não seja a única — é um movimento de negação em relação ao mundo existente. Por isso mesmo é, como vimos, uma força construtiva. Trata-se, simplesmente, de uma busca por mudança.

É por isso que a Esquerda rejeita a objeção de que seu programa é apenas negativo e não construtivo.

A esquerda pode lidar com censuras direcionadas ao dano potencial ou utilidade que pode surgir de suas negações. Também pode enfrentar a atitude conservadora que quer manter as coisas como estão. Não se defenderá, no entanto, contra o acusação de ser puramente negativo, porque todo programa construtivo é negativo, e vice-versa. Uma esquerda sem um programa construtivo não pode, por este símbolo, ter um negativo, uma vez que esses dois termos são aqui colocados como sinônimos. Se não houver programa, não há, ao mesmo tempo, negação, isto é, nenhum oposto da Esquerda — em outras palavras, conservadorismo.

UTOPIA E A ESQUERDA

Mas o ato de negação por si só não define a esquerda, pois há movimentos com objetivos retrógrados. O hitlerismo era a negação da República de Weimar, mas isso não o torna esquerdista. Em países não controlados pela direita, um extremo movimento contrarrevolucionário é sempre uma negação da ordem existente. Assim, a esquerda é definida por sua negação, mas não somente por isso; também se define pela direção dessa negação, de fato, pela natureza de sua utopia.

Uso a palavra “utopia” deliberadamente e não no sentido pejorativo que expressa a noção absurda de que todas as mudanças sociais são sonhos de cachimbo. Por utopia quero dizer um estado de consciência social, uma contrapartida mental do movimento social que luta por mudança radical no mundo — uma contrapartida inadequada a essas mudanças e meramente refletindo-as de uma forma idealizada e obscura, dota o movimento real do sentido de realização de um ideal nascido no reino do espírito puro e não no experiência histórica atual. A utopia é, portanto, uma consciência misteriosa de uma tendência histórica real. Enquanto esta tendência mora apenas numa existência clandestina, sem encontrar expressão nos movimentos sociais de massa, ela dá origem a utopias no sentido mais estrito, ou seja, a modelos de mundo construídos individualmente, como deveria ser. Mas com o tempo a utopia torna-se consciência social real; ela invade a consciência de um movimento de massa e se torna uma de suas forças motrizes essenciais. A utopia, então, passa do domínio do pensamento teórico e moral para o campo do pensamento prático, e ela mesma começa a governar a ação humana.

Ainda assim, isso não torna a utopia realizável. A utopia permanece sempre um fenômeno do mundo do pensamento; mesmo quando apoiada pelo poder de um movimento social e, mais importante, mesmo quando entra em sua consciência, é inadequada, indo longe além das potencialidades do movimento. É, de certa forma, “patológica” (no sentido vago da palavra, pois a consciência utópica é de fato um fenômeno social natural). É uma tentativa distorcida de impor a um movimento historicamente realista metas que estão além da história.

No entanto — e isso é fundamental para a compreensão das contradições internas dos movimentos de esquerda — a Esquerda não pode prescindir de uma utopia. A Esquerda produz utopias assim como o pâncreas libera insulina — em virtude de uma lei inata. Utopia é a luta por mudanças que “realisticamente” não podem ser realizadas por ação imediata, que estão além do futuro previsível e desafiam o planejamento. Ainda assim, a utopia é uma ferramenta de ação sobre a realidade e de planejamento da atividade social.

Uma utopia, se se mostrar tão distante da realidade que o desejo de aplicá-la seria grotesco, levaria a uma deformação monstruosa, a mudanças socialmente danosas que ameaçam a liberdade do homem. A Esquerda, se for bem-sucedida, então se transformará em seu oposto — a Direita. Mas então, também, a utopia deixaria de ser uma utopia e se tornaria um slogan justificador de toda prática corrente.

Por outro lado, a Esquerda não pode renunciar à utopia; não pode abrir mão de objetivos que são, por enquanto, inatingíveis, mas que dão sentido às mudanças sociais. Estou falando da Esquerda Social como um todo, pois embora o conceito de Esquerda seja relativo — só se é esquerdista em comparação com alguma coisa, e não em termos absolutos — ainda, o elemento extremo da Esquerda é o movimento revolucionário. O movimento revolucionário é um apanhado para todas as demandas finais feitas à sociedade existente. É uma negação total do sistema existente e, portanto, também um programa total. Um programa total é, na verdade, uma utopia. Uma utopia é um componente necessário da Esquerda Revolucionária, e esta é um produto necessário da Esquerda Social como um todo.

No entanto, por que uma utopia é uma condição de todos os movimentos revolucionários? Porque muita experiência histórica, mais ou menos enterrada na consciência social, nos diz que objetivos inatingíveis agora nunca serão alcançados a menos que sejam articulados quando ainda forem inatingíveis. Pode ser que o impossível em um determinado momento só se torne possível ao ser declarado em um momento em que é impossível. Para citar um exemplo, uma série de reformas nunca atingirá os objetivos da revolução, um partido reformista consistente nunca se transformará imperceptivelmente no realizador de uma revolução. A existência de uma utopia como utopia é o pré-requisito necessário para que ela eventualmente deixe de ser uma utopia.

Um movimento revolucionário não pode nascer simultaneamente com o ato da revolução, pois sem um movimento revolucionário que a preceda, a revolução nunca poderia acontecer. Enquanto o ato revolucionário não for realizado, ou não for indiscutível e claramente evidente, é uma utopia. Para o proletariado espanhol de hoje, uma revolução social é uma utopia; mas o proletariado espanhol nunca realizará uma revolução se não a proclamar quando for impossível. É por isso que a tradição desempenha um papel tão importante no movimento revolucionário: o movimento nunca conheceria nenhuma vitória se não tivesse sofrido derrotas inevitáveis ​​em fases anteriores — se não tivesse iniciado a atividade revolucionária quando a situação histórica impedia o sucesso.

O desejo de revolução não pode nascer apenas quando a situação está madura, porque entre as condições para esse amadurecimento estão as exigências revolucionárias feitas de uma realidade imatura. A influência contínua da consciência social é uma das condições para o amadurecimento da história até a mudança radical; a utopia é um pré-requisito das convulsões sociais, assim como os esforços irrealistas são a pré-condição dos realistas. Essa é a razão pela qual a consciência revolucionária não pode ser satisfeita com a mera participação nas mudanças já em curso; não pode meramente seguir os eventos, mas deve precedê-los em um momento em que eles não são planejados nem previstos.

Portanto, e esta é uma conclusão prática elementar — a Esquerda não se importa de ser censurada por lutar por uma utopia. Pode ter que se defender contra a acusação de que o conteúdo de sua utopia é prejudicial à sociedade, mas não precisa se defender contra a acusação de ser utópica.

A direita, como força conservadora, não precisa de utopia; sua essência é a afirmação das condições existentes — um fato e não uma utopia — ou então o desejo de retornar a um estado que já foi um fato consumado. A Direita se esforça para idealizar as condições reais, não para mudá-las. O que ela precisa é de fraude [Kolakowski não tinha apreço pela Direita. Na época deste ensaio, recém ele estava saindo e tendo atrito com a esquerda comunista polaca que o havia expulsado], não de utopia.

A esquerda não pode desistir da utopia porque é uma força real, mesmo quando é apenas uma utopia. A revolta do século XVI dos camponeses alemães, o movimento Babouvista e a Comuna de Paris eram todos utópicos. Como se viu, sem tais atividades utópicas não teriam ocorrido mudanças sociais não utópicas e progressivas. Obviamente, não se segue que a tarefa da esquerda seja empreender ações extremas em todas as situações históricas. Tudo o que estamos dizendo é que condenar a utopia pelo simples fato de ser uma utopia é direitista, conservador e dificulta as perspectivas de criar uma utopia. Em todo o caso, não estamos neste momento a formular tarefas sociais. Estamos considerando o conceito de Esquerda completamente em abstrato, tentando averiguar e não postular. Como a Esquerda é um fenômeno social tão “normal” quanto a Direita, e os movimentos sociais progressistas são tão normais quanto os reacionários, é igualmente normal que a Esquerda, que é uma minoria, seja perseguida pela Direita [o mundo gira, e, como vemos atualmente, ocorreu uma inversão desta perseguição via Justiça e meios de comunicação. Que a Esquerda é minoria, observamos isto em vários países ainda].

A ESQUERDA E AS CLASSES SOCIAIS

O conceito de Esquerda permanece obscuro até hoje. Embora tenha apenas cento e cinquenta anos [à época deste ensaio], adquiriu dimensões históricas universais e aplica-se à história antiga em virtude de uma difusão de significado comum a todas as línguas. Amplamente utilizado, o termo tem uma função prática, mas seu significado torna-se muito obscuro, mais sentido do que compreendido. Uma coisa é certa: é mais fácil dizer quais movimentos, programas e atitudes são de esquerda em relação aos outros do que determinar onde termina a esquerda e começa a direita na relação de poder político dentro da estrutura total da sociedade. Falamos de uma esquerda dentro do partido de Hitler, mas isso não significa, é claro, que a direita alemã estivesse restrita à partidos de direita e que todos, incluindo a ala esquerda do partido de Hitler, eram de esquerda em sentido absoluto. A sociedade não pode ser dividida em um Direito e um uma Esquerda. Uma atitude de esquerda em relação a um movimento pode estar ligada a uma atitude de direita em relação a outro. É apenas em seus significados relativos que essas palavras fazem sentido.

Mas o que queremos dizer quando dizemos que uma atitude ou um movimento é de esquerda em relação a outro? Mais especificamente, qual aspecto do conceito de Esquerda é válido em todas as situações sociais? Por exemplo, o que queremos dizer quando falamos de esquerda no Partido Radical da França, ou da esquerda social-democrata, católica ou comunista? Existe algum elemento comum na palavra usada em contextos tão variados? Ou estamos simplesmente afirmando que toda situação política revela alguma atividade humana que aprovamos ou achamos menos repugnante e que, portanto, chamamos de “a esquerda”? (Digo “chamamos” porque a esquerda traça a linha divisória entre o Esquerda e Direita, enquanto a Direita luta sistematicamente contra essa divisão — e em vão, pois a auto definição da Esquerda é forte o suficiente para definir a Direita e, em todo caso, para estabelecer a existência da linha de demarcação.)

Sem dúvida, por ter assumido uma aura positiva, o termo “esquerda” é muitas vezes apropriado por grupos reacionários. Por exemplo, existe a “Esquerda Europeia”, um anexo político da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Assim, o mero uso da palavra não define a esquerda. Devemos procurar outras placas de sinalização para nos ajudar a fixar nossa posição nesta área obscura. Slogans como “liberdade” [em nossos dias, como observamos claramente quem está querendo cercear a liberdade de expressão nas redes sociais, o último bastião real da liberdade “em praça pública”, e até a “liberdade” dada pelos comunistas no poder na URSS e leste europeu na época de Kolakowski — e ele poderia ter observado isto muito bem já naquele período —, podemos dizer que esta ideia de liberdade não é nem nunca foi uma suposição séria das esquerdas, mas em seguida o autor trata os conceitos como interpretações arbitrárias, o que demonstra, pelo menos, que ele poderia estar se referindo já aqui a esta interpretação] e “igualdade” pertencem, é claro, à tradição da esquerda; mas eles perderam seu significado uma vez que se tornaram universais. palavras às quais cada um atribui sua própria interpretação arbitrária. Com o passar do tempo, a esquerda deve se definir cada vez mais precisamente. Pois quanto mais influencia a consciência social, quanto mais seus slogans assumem uma aura positiva, mais eles são apropriados pela Direito e perdem seu significado definido. Ninguém hoje se opõe a conceitos como “liberdade” e “igualdade” [considere que Kolakowski esteja dizendo em termos das interpretações arbitrárias]; é por isso que eles podem se tornar instrumentos de fraude, suspeitos, a menos que sejam explicados. O que é pior, a palavra “socialismo” também adquiriu muitos significados.

Naturalmente, é muito fácil definir a Esquerda em termos gerais, como podemos definir “progresso”. Mas definições gerais são muitas vezes enganosas e difícil de aplicar em discussões concretas. Por exemplo, podemos dizer que “esquerdismo” é o grau de participação no processo de desenvolvimento social que se esforça para eliminar todas as condições em que a possibilidade de satisfazer necessidades humanas é obstruída pelas relações sociais. De tal definição derivamos um certo número de slogans igualmente gerais que são universalmente aceitáveis ​​demais para serem úteis na fixação de demarcações políticas. Os conceitos de esquerda, de progresso e de liberdade estão cheios de contradições internas; as disputas políticas não surgem da mera aceitação ou rejeição dos conceitos.

Portanto, em vez de construir um conceito geral de esquerda fácil, mas ineficaz, aplicável a todas as épocas, aceitemos realidade social existente como um fato e procuremos os conflitos básicos que definem a história atual. Trata-se, antes de tudo, de conflitos de classe e, secundariamente, os políticos. No entanto, a batalha política não é completamente idêntica ao padrão das relações de classe; isto não é uma cópia carbono delas transposta para as relações entre partidos políticos. Isso ocorre porque as divisões de classe não são o único tipo, e as próprias classes estão se tornando mais, em vez de menos, complicadas, porque são divididas de dentro por nacionalidade ou ideologia. Finalmente, há divisões políticas, na medida em que assumem diversas formas de autonomia. Sob estas condições, a vida política não pode refletir, pura e diretamente, os conflitos de classe, mas, ao contrário, cada vez mais indiretamente e de forma fundida. Na verdade, nunca foi diferente — se tivesse sido, todos os conflitos históricos teriam sido resolvidos séculos atrás. É por isso que a afirmação de que deve ser do interesse da classe trabalhadora pertencer à esquerda nem sempre se sustenta como verdade, por um lado, é característico da esquerda tentar não realizar os desejos dos homens contra sua vontade, nem forçá-los a aceitar benefícios que não desejam [isto utopicamente falando; na prática, a esquerda no poder força tudo a todos]. Por outro lado, a classe trabalhadora de um determinado país pode ser muito influenciada por nacionalismo, mas a esquerda não apoiará demandas nacionalistas; em outros lugares, a classe trabalhadora pode ter raízes profundas em um tradição religiosa, mas a esquerda é um movimento secular. Mesmo interesses imediatos reais da classe trabalhadora podem estar em oposição às demandas da esquerda. Por exemplo, por muito tempo os trabalhadores ingleses se beneficiaram da exploração colonial — já a esquerda é um inimiga do colonialismo.

É por isso que a Esquerda não pode ser definida dizendo que sempre, em todos os casos, apoiará todas as demandas da classe trabalhadora, ou que está sempre do lado da maioria. A esquerda deve definir-se ao nível das ideias, admitindo que, em muitos casos, ela se encontrará em minoria. Ainda que no mundo de hoje não exista uma atitude esquerdista independente da luta pelos direitos da classe trabalhadora, embora nenhuma posição de esquerda possa ser realizada fora da estrutura de classes, e embora somente a luta dos oprimidos pode fazer da esquerda uma força material, no entanto, a Esquerda deve ser definida em termos intelectuais e não em termos de classe. Isso pressupõe que a vida intelectual concreta não é e não pode ser uma réplica exata dos interesses de classe.

Com base nisso, podemos expor certas características da posição da Esquerda em várias ordens sociais:

Nos países capitalistas, a luta da Esquerda é abolir todo privilégio social. Em países não capitalistas, é remover privilégios que surgiram de condições não capitalistas.

Nos países capitalistas, a Esquerda combate todas as formas de opressão colonial. Nos não capitalistas, exige a abolição das desigualdades, discriminação e exploração de certos países por outros.

Nos países capitalistas, a Esquerda luta contra as limitações à liberdade de expressão e de imprensa. Isso também ocorre em países não capitalistas. Em um e no outro, a Esquerda luta contra todas as contradições da liberdade que surgem em ambos os tipos de condições sociais: até onde se pode levar a demanda por tolerância sem se voltar contra a própria ideia de tolerância? Como garantir que a tolerância não levará à vitória de forças que estrangularão o princípio da tolerância? Este é o grande problema de todos os movimentos de esquerda. Também é verdade, obviamente, que a Esquerda pode cometer erros e agir de forma ineficaz e, assim, engendrar uma situação que lhe é inimiga. No entanto, não são as táticas errôneas que distinguem a Esquerda, pois, como dissemos, seus critérios se estabelecem no plano ideológico.

Nos países capitalistas, a Esquerda se esforça para secularizar a vida social. Isso também é verdade em países não capitalistas.

Nos países capitalistas, a destruição de todo o racismo é parte essencial da posição da esquerda. Isso também ocorre em países não capitalistas.

Em todos os lugares a Esquerda luta contra a invasão de qualquer tipo de obscurantismo na vida social; luta pela vitória do pensamento racional, que não é, de forma alguma, um luxo reservado aos intelectuais, mas um componente integral do progresso social neste século. Sem ele, qualquer forma de progresso torna-se uma paródia de suas próprias premissas.

Finalmente, em ambos os sistemas, a Esquerda não exclui o uso da força quando necessário, embora o uso da força não seja uma invenção da Esquerda, mas sim uma forma inevitável de existência social. A Esquerda aceita a antinomia da força, mas apenas como uma antinomia e não como um presente do destino. Em todos os lugares, a Esquerda está disposta a se comprometer com os fatos históricos, mas rejeita os compromissos ideológicos; isto é, não abdica do direito de proclamar os princípios básicos de sua existência, independentemente de suas táticas políticas.

A Esquerda está livre de sentimentos sagrados; não tem senso de santidade em relação a qualquer situação histórica existente. Ela assume uma posição de revisionismo permanente para a realidade, assim como a Direita assume uma atitude de oportunismo em relação ao mundo como ele é. A Direita é a personificação da inércia da realidade histórica — por isso é tão eterna quanto a Esquerda.

Em ambos os sistemas, a Esquerda se esforça para basear suas perspectivas na experiência e nas tendências evolutivas da história; enquanto a Direita é a expressão da capitulação à situação do momento. Por isso a Esquerda pode ter uma ideologia política, enquanto a Direita não tem nada além de tática.

No contexto de ambos os sistemas, a Esquerda sabe que toda liberdade humana satisfaz uma necessidade específica, mas que também existe a necessidade da liberdade como tal.

A Esquerda não teme a história. Acredita na flexibilidade das relações sociais e da natureza humana — e na possibilidade de as mudar. Em ambos os campos, rejeita toda humildade em relação às situações existentes, autoridades, doutrinas, a maioria, pré-julgamentos ou pressões materiais.

Em ambos, a Esquerda — não excluindo o uso da força, não se envergonhando disso, e não chamando isso de “educação” ou “benevolência” ou “cuidado com as crianças” etc. — não obstante, rejeita qualquer meio de guerra política que leve a consequências morais que contrariem suas premissas.

Todo esse tempo eu tenho descrito a Esquerda como uma certa atitude ideológica e moral. Pois a Esquerda não é um movimento político único e definido, ou partido, ou grupo de partidos. A Esquerda é uma característica [o filósofo Olavo de Carvalho conceitua como “uma Cultura”] que, em maior ou menor grau, pode servir a determinados movimentos ou partidos, bem como a determinados indivíduos ou atividades humanas, atitudes e ideologias. Pode-se ser esquerdista de um ponto de vista e não de outro. Raramente ocorrem movimentos políticos totalmente esquerdistas em todos os aspectos ao longo de todo o curso de sua existência. Um homem de esquerda pode participar da luta política e ser político de um partido de esquerda, mas se recusar a aprovar ações e opiniões que sejam claramente hostis a uma atitude de esquerda. O que não significa, obviamente, que a posição de esquerda não leve a conflitos e contradições internas.

Por essas razões, a Esquerda, como tal e como um todo, não pode ser um movimento político organizado. A esquerda está sempre à esquerda em certos aspectos em relação a alguns movimentos políticos. Todo partido tem sua ala esquerda, uma corrente mais à esquerda do que o resto do partido em relação a algum traço que pode ser citado como exemplo. Ainda assim, isso não significa que todos os elementos de esquerda de todos os partidos juntos formem um único movimento, ou que estejam mais intimamente aliados entre si do que com o partido que os originou. Seria assim se eles cumprissem todos os requisitos de ser Esquerda em todos os aspectos; mas, nesse caso, não teriam sido segmentos de tantos partidos diversos com programas tão variados, para começar. A ala esquerda dos partidos democratas-cristãos tem, via de regra, infinitamente mais em comum com eles do que com a esquerda socialista, mas é a esquerda democrata-cristã nesta mesma base. Sua “esquerda” pode ser demonstrada por uma posição sobre um ou outro problema político real que, no caso particular, a aproxima da esquerda de outros partidos — por exemplo, uma condenação ao colonialismo ou ao racismo. Por outro lado, as demandas da esquerda são atendidas em graus variados por diferentes partidos, que por isso são chamados de mais ou menos de esquerda.

A ESQUERDA E O COMUNISMO NA POLÔNIA

Pode-se falar de um partido puro de esquerda e, em caso afirmativo, quando? O Partido Comunista é um? Como não podemos neste momento definir todos os partidos comunistas, apliquemos esta questão ao partido polonês.

Durante muito tempo não existiu a divisão em esquerda e direita do partido, embora alguns membros fossem mais ou menos à esquerda. Não existia porque o partido foi privado de qualquer vida política real, porque sua ideologia não nasceu de sua própria experiência histórica, mas foi em grande parte imposta a ele, independentemente da experiência. A divisão entre esquerda e direita foi desenhada apenas quando a vida política do Partido começou a existir.

A cisão se deu de acordo com as posições sobre os problemas que sempre dividem um movimento em esquerda e direita. O Partido Comunista foi formado por aqueles que lutaram para abolir todas as formas de privilégio na vida social, para reconhecer o princípio da igualdade nas relações entre as nações e se opor ao nacionalismo local e estrangeiro, reservando-se o direito de chamá-lo pelo seu verdadeiro nome de nacionalismo. A esquerda defende a abolição, sem chicanas, de todos os tipos de antissemitismo na Polônia, a liberdade de expressão e discussão, a vitória sobre o dogma e sobre o pensamento estúpido, doutrinário ou mágico na vida política, pela legalidade nas relações públicas, pelo aumento máximo do papel da classe trabalhadora dentro do sistema de governo, pela liquidação da ilegalidade da polícia. Ele luta contra chamar os crimes de “comunismo” e os gangsteres de “comunistas” — e contra mil outras coisas.

Estou listando esses itens sumariamente, sem entrar em detalhes, apenas para mostrar que a direção das mudanças destinadas a levar ao triunfo da democracia socialista foi inspirada no Partido por sua esquerda, cujas reivindicações em todos os pontos vitais estão incluídas no que chamamos de posição de esquerda. O Partido por sua direita consiste nas forças da inércia stalinista, defendendo um sistema baseado em princípios que renunciam à soberania polonesa em favor de um nacionalismo estrangeiro. Apoia a ditadura dos esquemas doutrinários na vida intelectual, a ditadura da polícia na vida pública e a ditadura militar na vida econômica. Suprime a liberdade de expressão e usa a terminologia do governo pelo povo para ocultar o governo por um aparato político que desconsidera tanto a opinião do público quanto suas necessidades. As forças do stalinismo dentro do Partido eram e são uma concentração de todas as características básicas que definem a direita, o conservadorismo e a reação. [Kolakowski atribuiu neste trecho do ensaio os problemas e consequências ruins da tomada do poder pela esquerda a uma direita dentro da esquerda. Anos mais adiante, por outros escritos, parece que ele já não pensava assim. No entanto, é bom observar ao leitor que o autor buscava à época dar um caráter humanista e bonzinho ao Marxismo, tentando trazer os comunistas da época que faziam barbaridades já descobertas para o lado “marxismo do bem”, como demonstra o título do livro do qual este ensaio foi retirado e já citado acima. Na edição britânica deste livro, já com o nome Marxism and Beyond, no prefácio, Kolakowski explica por que ele não sustentava mais alguns dos pontos de vista desses ensaios.]

No entanto, a esquerda no Partido Comunista polonês se encontra em uma posição peculiar, na qual as tendências políticas não cobrem uma única gama ininterrupta “da esquerda para a direita”, mas abundam em complicações. As forças da esquerda estão entre duas tendências de direita: a reação dentro do Partido e a reação tradicional. Este é um novo desenvolvimento histórico, cuja consciência surgiu apenas nos últimos anos. Ainda é um fenômeno muito restrito, mas suas implicações são internacionais. Vamos nos abster de descrever as causas históricas desta situação, que em certa fase de seu desenvolvimento criou uma crise no movimento comunista, e simplesmente afirmar que a Nova Esquerda apareceu dentro do movimento quando se tornou evidente que existia uma Nova Direita. Não abordaremos neste momento a questão de como a Velha Esquerda degenerou e sobreviveu na forma de uma direita — um processo do qual a história do stalinismo fornece um exemplo instrutivo — mas não parece que esse processo tenha sido causado pelo simples fato da esquerda chegar ao poder. Ou seja, não parece que a esquerda possa existir apenas em posição de oposição, ou que a posse do poder seja incompatível com a natureza da esquerda e leve inevitavelmente à sua queda.

Pois embora a negação da realidade faça parte da natureza da esquerda, não se segue necessariamente que a realidade deva ser sempre contrária às demandas da esquerda. A história, é verdade, proporciona inúmeras experiências que parecem falar por tal visão e nos tenta a ver a esquerda como condenada a ser uma “oposição eterna”. No entanto, ao longo dos anos, a história testemunhou muitos retrocessos nas demandas (por exemplo, igualdade perante a lei) que posteriormente, após séculos de sofrimento e derrota, tornaram-se realidade. O amor ao martírio e ao heroísmo é estranho à esquerda, considerados oportunismo em uma situação atual ou renúncia de objetivos utópicos. A esquerda protesta contra o mundo existente, mas não anseia por um vazio. É uma carga explosiva que perturba a estabilidade da vida social, mas não é um movimento em direção ao nada.

AS FRAQUEZAS DA ESQUERDA

A principal fraqueza da esquerda não foi que ela surgiu da negação, mas que sua negação atingiu apenas o nível de protesto moral e não de pensamento prático. Uma atitude esquerdista que se detém no estágio da experiência moral tem pouco efeito prático. “Bleeding-heartism” [a simpatia excessiva pelo infortúnio alheio — “coração sangrando”] não é uma posição política.

Outra característica, inevitável em nossas circunstâncias, era que a Esquerda não poderia ser um movimento organizado, mas apenas uma consciência obscura, fragmentada, negativa, oposta à Direita, que não tinha escrúpulos de lealdade em relação à formação de facções dissidentes dentro do Partido. Assim, a Esquerda não se tornou um movimento político no verdadeiro sentido, mas apenas a soma total de posições morais espontâneas.

Uma fraqueza da Esquerda surgiu das circunstâncias regressivas da situação internacional, cujos detalhes não entrarei aqui, mas que claramente favoreciam as atividades direitistas.

Outras fraquezas da Esquerda eram os elementos da situação imediata a partir dos quais os esforços da Direita podiam atrair forças. A Direita não tem escrúpulos em usar todo tipo de demagogia, todo slogan político e ideológico que lhe permita dominar a situação do momento. Quando necessário, faz uso do antissemitismo para ganhar um certo número de aliados dos fanáticos dentro ou fora do partido. A Direita está principalmente atrás do poder. [Kolakowski, à época do seu texto, estava às voltas com a politica interna da Polônia e suas crises com a intromissão da política comunista de Stalin sobre os países do Leste Europeu. Talvez, tal situação não lhe permitiu observar ou admitir que os grupos políticos tentam chegar ao poder independentemente de serem de Direita ou Esquerda, que ambos mentem ou dizem meias verdades, e que, conforme o caso e a posição do momento, um vai mentir mais que o outro.] Na luta pelo poder (que, por exemplo, não possui hoje na Polônia), está preparada para avançar quaisquer slogans de esquerda com os quais possa contar: apelo popular. Falemos abertamente: o desprezo pela ideologia é a força da Direita porque permite maior flexibilidade na prática e o uso arbitrário de qualquer fachada verbal que facilite a tomada do poder. A Direita está respaldada não apenas pela inércia de velhos costumes e instituições, mas também pelo poder da mentira; verdade, apenas um pouco, mas longe o suficiente para permitir que ela domine a situação. Em dado momento esses slogans ideológicos são expostos como impostura tática; mas o truque é garantir que esse momento só chegue depois que a situação estiver resolvida: a polícia está à disposição. É por isso que é importante que a esquerda tenha sempre à disposição critérios de reconhecimento na forma de atitudes em relação às questões políticas reais que, por uma razão ou outra, forçam a Direita a se revelar pelo que é. Hoje tais critérios existem principalmente no domínio dos assuntos internacionais.

A Esquerda também foi enfraquecida pelo fato de que o protesto social geral contra os métodos comprometidos do governo estava muitas vezes ligado a demandas reacionárias inaceitáveis ​​para a Esquerda. Mas nesse estágio de seu desenvolvimento, a Esquerda não era forte o suficiente para assumir a liderança desse protesto.

Como resultado dessas circunstâncias, a Esquerda (em escala internacional) não pôde deixar de ser derrotada. No entanto, para existir, a Esquerda deve, acima de tudo, estar ciente do perigo de sua posição ideológica.

O perigo está em sua dupla exposição a duas formas de pressão direitista. A Esquerda deve estar particularmente atenta à sua necessidade de definir sua posição especial como constante e simultaneamente oposta a essas duas forças. Deve proclamar clara e continuamente sua posição negativa contra ambas as correntes direitistas, das quais uma é a expressão da inércia stalinista e a outra da inércia do capitalismo em sua forma mais retrógrada e obscurantista. A Esquerda está em grave perigo se direcionar sua crítica a apenas uma pressão, pois assim obscurece suas demarcações políticas. Sua posição deve ser expressa em negação simultânea. A Esquerda deve se opor ao nacionalismo polonês tão veementemente quanto aos nacionalismos estrangeiros que ameaçam a Polônia. Deve ter a mesma atitude racional clara em relação tanto à religiosidade esclerosada da versão stalinista do marxismo quanto ao obscurantismo do clero. Deve simultaneamente rejeitar a fraseologia socialista como fachada para os estados policiais e a fraseologia democrática como disfarce para o domínio burguês. Só assim a Esquerda pode manter sua posição separada e distinta, que é a de uma minoria. No entanto, a esquerda não deseja se tornar maioria a qualquer preço.

Na situação atual, a maior reivindicação da esquerda é ideológica. Para ser mais preciso, é diferenciar exatamente entre ideologia e táticas políticas atuais. A Esquerda não se recusa a se comprometer com a realidade enquanto os compromissos são assim rotulados. Sempre se oporá a qualquer tentativa de dobrar a ideologia às exigências do momento, às concessões temporariamente necessárias, às táticas. Enquanto a Esquerda percebe que às vezes é impotente diante do crime, ela se recusa a chamar o crime de “bênção”.

Esta definitivamente não é uma questão trivial ou secundária. Um partido político que não conta com uma base ideológica autêntica pode existir há muito tempo em estado de vegetação, mas desmoronará como um castelo de cartas se confrontado com dificuldades. Um caso em questão é o Partido Húngaro. Um movimento comunista que subordina sua ideologia às táticas imediatas está destinado à degeneração e à derrota. Só pode existir com o apoio do poder e da capacidade repressiva do Estado. Os valores intelectuais e morais do comunismo não são ornamentos luxuosos de sua atividade, mas as condições de sua existência. É por isso que é difícil criar o socialismo de esquerda em um país reacionário. Um movimento comunista cuja única forma de existência é a pura tática e que permite a perda de suas premissas intelectuais e morais originais deixa de ser um movimento de esquerda. Daí a palavra “socialismo” ter mais de um significado, e não é mais sinônimo da palavra “esquerda”. E é por isso que é necessária uma regeneração do conceito de esquerda — também para que possamos delimitar o significado das palavras de ordem socialistas. Propomos, portanto, o termo “Socialismo de Esquerda”.

Sem abrir mão de nenhuma das premissas de sua existência, a Esquerda está obviamente disposta a fazer alianças com quaisquer grupos, não importa o tamanho e por menor que seja, e com todos os “focos esquerdistas” onde quer que estejam. Mas deve recusar-se a apoiar atividades e situações de Direita; ou se for obrigada a fazê-lo sob coação, deve chamar assim; “coagir” e abster-se de buscar justificativas ideológicas para suas ações.

A Esquerda sabe que essas demandas parecem apenas modestas; e percebe que podem levar a novas derrotas — mas tais derrotas são mais frutíferas do que a capitulação. Por isso, a Esquerda não tem medo de ser minoria, que é o que é em escala internacional. Ela sabe que a própria história suscita em cada situação um lado esquerdista que é um componente tão necessário da vida social quanto seu aspecto de conservadorismo e inércia.

As contradições da vida social não podem ser liquidadas; isto significa que a história do homem existirá enquanto o homem for ele mesmo: E a Esquerda é o fator de fermentação até mesmo das massas mais endurecidas do presente histórico. Mesmo que às vezes fraca e invisível, não deixa de ser a dinamite da esperança que faz explodir a carga morta dos sistemas ossificados, das instituições, dos costumes, dos hábitos intelectuais e das doutrinas fechadas. A Esquerda une aqueles átomos dispersos e muitas vezes ocultos cujo movimento é, em última análise, o que chamamos de progresso.


* Leszek Kolakowski (1927-2009) foi um filósofo e historiador da filosofia polonês. Na juventude foi comunista. No período de 1947 a 1966, ano de sua expulsão, foi membro do Partido Operário Unificado Polaco. Nos anos 50 ele foi um dos mais proeminentes revisionistas do Marxismo da Polônia, e foi oficialmente censurado pelo governo depois de 1956. Em algum momento entre 1958 e 1968, quando o governo polonês o proibiu de lecionar e ele foi para o exílio, ele deixou de se considerar marxista, embora ainda tenha permanecido socialista. Seu primeiro exílio foi em Berkeley. Neste período, publicou vários artigos sobre a Nova Esquerda. Depois foi para Oxford. A medida que seu nome cresceu nos círculos intelectuais da Europa Ocidental, houve o declínio de sua reputação na Esquerda, seja ocidental ou oriental. Finalmente, chegou à conclusão de que a crueldade totalitária do stalinismo não era uma aberração, mas sim um produto final lógico do marxismo, cuja genealogia ele examinou em Main Currents of Marxism [As Principais Correntes do Marxismo] sua principal obra, publicada em três volumes entre 1976 e 1978. Seus principais outros trabalhos são: Positivist Philosophy from Hume to the Vienna Circle; Towards a Marxist Humanism; God Owes Us Nothing: A Brief Remark on Pascal’s Religion and on the Spirit of Jansenism; Husserl and the Search for Certitude; Modernity on Endless Trial; On exile, philosophy & tottering insecurely on the edge of an unknown abyss; e Why Is There Something Rather Than Nothing? 23 Questions from Great Philosophers.


** O tradutor e contextualizador é Cláudio Toldo, diretor da Convivivm Editorial e Editora Awning. Lecionou em duas universidades do Sul de Santa Catarina e tem experiência em diversos meios de comunicação, atuando na área de reportagem em jornalismo impresso, planejamento gráfico e editorial, jornalismo educacional, jornalismo empresarial, assessoria de imprensa, planejamento em comunicação e webjornalismo.

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