Tupamaros: o primeiro movimento revolucionário armado da América Latina

Documentário do Youtube feito pela Incomunicado. Por conta das imagens, o vídeo só pode ser visto por maiores de 18 anos e logados.

Se tudo tem um começo, os movimentos revolucionários de luta armada da América Latina começaram com o Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros.

Os Tupamaros surgiram como um grupo marxista-leninista uruguaio de guerrilha urbana que operou nas décadas de 1960 e 1970; antes e durante o Regime Militar instituído justamente para segurar a onda socialista na América Latina durante a Guerra Fria.

O nome do grupo deriva da expressão pejorativa dos espanhóis para os habitantes insurgentes contra a dominação da Coroa Espanhola, e que provém de Tupac Amaru II, que em 1780 liderou uma grande revolta indígena contra o vice-reinado do Peru e se tornou uma figura mítica na luta territorial, bem como uma inspiração para inúmeras causas comunistas na América Latina.

Os Tupamaros se formaram em 1963 durante um momento de instabilidade nacional com a baixa dos preços dos alimentos agrícolas no mercado internacional. Entre a primeira e a segunda guerra mundial o Uruguai exportava carne e lã e isso elevou a qualidade de vida e o trabalho no país. Mas a volta à normalidade mundial baixou os preços das commodities e o Uruguai apresentou desemprego.

Um grupo de jovens estudantes politizados na causa marxista-leninista aproveitou o momento e junto com o Movimento de Apoio aos Camponeses, sindicalistas liderados por Raul Sendic, e células radicalizadas do Partido Socialista do Uruguai, se insurgiu.

De 1963 ao começo de 1968, os Tupamaros reuniram recursos materiais e armamentos valendo-se de assaltos a bancos, a lojas de armas e a empresas privadas. O objetivo era fazer o governo parecer impotente na defesa da população. Como estratégia para conquistar a simpatia da opinião pública eles distribuíam comida e dinheiro roubados aos pobres em Montevidéu. O slogan do grupo era: “As palavras nos dividem; a ação nos une”.

Os Tupamaros usaram sequestros políticos como maneira de demonstrar a impotência do governo. Dominavam importantes figuras políticas e diplomáticas em plena rua e as colocavam nas chamadas “prisões do povo”. Os guerrilheiros queriam colocar a população contra o governo e estes sequestros estavam funcionando por causa da truculência característica das forças policiais nas buscas e tentativas de libertar os reféns.

A situação econômica do país provocou uma onda de manifestações estudantis e greves de trabalhadores em 1968. O governo então declarou estado de emergência nacional em junho daquele ano, que perdurou até o final de 1972. Foi durante esta crise que os Tupamaros levaram a cabo seu primeiro sequestro político, de Ulisses Pereyra, presidente da companhia telefônica estatal, uma figura impopular. Quando a polícia ocupou o campus da Universidade Nacional na busca por Pereyra, houve forte reação dos estudantes e um deles foi morto. Pereyra foi solto cinco dias depois.

Em setembro de 1969, sequestraram um importante banqueiro e o mantiveram preso por dez semanas como apoio à greve de bancários.

A Tomada de Pando

Em 8 de outubro de 1969, membros dos Tupamaros invadiram a delegacia, o corpo de bombeiros, a central telefônica e bancos na cidade de Pando, localizada a 32 quilômetros de Montevidéu. No total, os guerrilheiros roubaram o equivalente a aproximadamente 357 mil dólares, dos quais 157 mil foram recuperados. Os eventos duraram cerca de 20 minutos. Terminada a operação, morreram o sargento Enrique Fernández Díaz e os guerrilheiros Jorge Salerno, Alfredo Cultélli, e Ricardo Zabalza, e ainda o civil Carlos Burgueño, que estava em um bar próximo, vitima de uma bala perdida saída da arma da polícia.

Em 31 de julho de 1970 ocorreu o mais espetacular sequestro do grupo, que acabou sendo retratado no filme Estado de Sítio, do cineasta Costa-Gavras, um filme claramente pró-guerrilheiros realizado em 1973.

Dan Mitrione, um agente da CIA que havia prestado serviços a policiais em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, e o cônsul brasileiro Aloízio Gomide foram mantidos em cativeiro para servirem de resgate em troca de prisioneiros terroristas do regime uruguaio.

O sequestro do cônsul brasileiro!

Em 31 de julho de 1970, Aloízio Gomide foi sequestrado em sua casa em Montevidéu na presença da esposa e do filho por dois membros do movimento guerrilheiro que se passaram por técnicos de uma agência de telefonia uruguaia. Era a primeira vez que o movimento sequestrava estrangeiros. Gomide passou 205 dias em cativeiro.

Inicialmente o grupo pedia como resgate a libertação de 150 guerrilheiros presos, mas o governo do presidente Jorge Pacheco Areco se recusou a negociar com eles. Então a mulher de Gomide, Maria Aparecida, se encontrou com alguns terroristas e pediu em rádios uruguaias para que o presidente Areco negociasse. Maria Aparecida retornou ao Brasil e apelou pela intermediação do presidente Emílio Garrastazu Médici. Mas o general se recusou a interferir em assuntos internos de outro país.

Em dezembro, os Tupamaros desistiram da libertação dos presos, exigindo em vez disso o resgate de um milhão de dólares. Maria Aparecida iniciou então uma campanha para arrecadar fundos no Brasil contando com o apoio dos apresentadores de televisão: Chacrinha e Flávio Cavalcanti. Em janeiro de 1971 foram arrecadados 250 mil dólares, que chegaram aos Tupamaros através de duas mulheres: uma era amiga de Maria Aparecida, a outra uma especialista em contrabandear muambas pela fronteira. O dinheiro foi levado dentro de uma sacola coberta com roupa suja. Com o dinheiro e a exigência concedida de pôr fim ao estado de sítio, os Tupamaros finalmente libertaram o diplomata brasileiro no dia 21 de fevereiro. Aloysio Gomide e a família regressaram imediatamente ao Brasil.

A morte de Dan-Mitrione!

Daniel Mitrione foi capturado também para ser trocado pela libertação dos 150 terroristas presos e com o objetivo de interrogá-lo sobre a ajuda norte-americana aos regimes militares da América Latina. O agente da CIA foi alvejado com um tiro no ombro na captura e medicado no cativeiro. Nestes dias, líderes tupamaros foram presos, entre eles Raul Sendic. Por esse motivo, os Tupamaros decidiram matar o prisioneiro, o que ocorreu no dia 10 de agosto de 1970. Mitrione foi encontrado dentro de um carro com dois tiros na cabeça. Era casado e tinha nove filhos. Frank Sinatra e Jerry Lewis organizaram um espetáculo beneficente para a família de Mitrione em Richmond, Indiana.

Pouco mais de um ano depois, autoridades anunciaram os responsáveis pelo assassinato do norte-americano. Seis tupamaros, alguns já mortos ou presos. Antônio Mas Mas foi apontado como a pessoa que puxou o gatilho e condenado a 30 anos em fevereiro de 1977; no entanto, foi libertado em março de 1985 pela anistia aos guerrilheiros. Mas Mas recusou-se a falar sobre o assassinato de Mitrione e morreu em 2002.

O terrorismo continua!

Em 29 de setembro de 1970, os tupamaros bombardearam o Carrasco Bowling Club, ferindo gravemente a idosa zeladora Hilaria Ibarra, resgatada dos escombros por Gustavo Zerbino, que mais tarde seria o famoso sobrevivente do desastre dos Andes.

Enquanto isso, outros sequestros continuaram. Os Tupamaros ainda no primeiro semestre de 1971 sequestraram o embaixador britânico Geoffrey Jackson, o procurador-geral Uruguaio, um ex-ministro da Agricultura, e Ulisses Pereyra foi raptado pela segunda vez.

Outra tática utilizada pelos Tupamaros eram ações apenas de propaganda. Quando o governo proibiu a circulação de jornais de esquerda e a menção da expressão Tupamaros na grande imprensa, os guerrilheiros puseram no ar sua própria radiotransmissora e tomaram estações de rádio por minutos para difundir propaganda. Grupos armados chegaram a ocupar salões de reunião para proclamar suas palavras de ordem. Lanchonetes, cinemas e teatros foram tomados para que o público ali cativo ouvissem discursos.

O grupo também intimidou as forças de segurança. Como praticamente só a polícia vinha travando a luta contra a guerrilha, os Tupamaros começaram a selecionar no fim de 1969 os policiais que deveriam ser eliminados. A moral da tropa ficou abalada. Em junho de 1970 aconteceu uma greve geral da polícia por aumento salarial e o direito de trabalhar em trajes civis. A resposta do governo a essas táticas foi cambaleante e a população começou a crer que eram os Tupamaros que cercavam a polícia e não o contrário.

Em novembro de 1971, houve eleições presidenciais e uma aliança de partidos de esquerda e centro-esquerda chamada Frente Ampla desafiou os tradicionais partidos Blanco e Colorado. Os Tupamaros deram apoio verbal à Frente Ampla enquanto prosseguiam em suas ações terroristas. Mas o ambiente de permanente crispação nas ruas de Montevidéu acabou por debilitar o apoio popular aos guerrilheiros. A coalizão acusada de associação com os Tupamaros teve menos de 20% dos votos.

Em 1972, o grupo perdeu a empatia da opinião pública por uma série de eventos. Primeiro, pela violência política desde 1970; depois, por ter respondido com assassinato a prisão e desaparecimento de quatro tupamaros; e por fim por ter atacado diretamente os militares e matado vários deles. Em 18 de maio daquele ano, quatro soldados do Exército uruguaio foram mortos por tiros de metralhadora apenas porque faziam a guarda da casa do comandante-chefe do Exército, general Florencio Gravina.

Ainda em 1972, o novo presidente uruguaio, Juan Maria Bordaberry, suspendeu as liberdades civis e declarou o estado de guerra interno contra os Tupamaros. O exército, que vinha desempenhando um papel secundário na repressão, passou a agir diretamente, valendo-se de prisões, torturas para delações de outros terroristas e grandes operações de cerco e captura. Essa tática conseguiu prender a maioria dos guerrilheiros, obrigando os restantes a fugir do país. Cerca de 3.000 guerrilheiros foram presos. Por volta de novembro de 1972, os Tupamaros deixavam de ser uma ameaça ao governo do Uruguai.

O grupo terrorista entrou em colapso com o exército matando guerrilheiros em trocas de tiros e capturando a maioria. Eles foram julgados. Nove líderes tiveram mais destaque pela imprensa, incluindo Raul Sendic e José Pepe Mujica.

Em 1973, mas somente oficializada em novembro de 1975, surgiu a Operação Condor, uma cooperação entre os governos latino-americanos que se viam lutando contra os revolucionários armados que cometiam crimes comuns como assaltos e sequestros alegando a causa socialista. Nesta troca de informações, agentes da CIA também colaboraram. Brasileiros foram presos no Uruguai e Argentina, Uruguaios presos no Brasil e Paraguai, e assim por diante. A Operação Condor foi tão eficiente, que a imprensa, já formada por muitos jornalistas socialistas na década de 1970, a considerava e a tratava como uma mega operação do imperialismo norte-americano.

O governo Uruguaio ganhou a guerra naquele momento contra os Tupamaros, mas ao custo da destruição da democracia. Lideranças militares pressionaram o presidente Juan Maria Bordaberry a manter o estado de guerra interno. Em 27 de junho de 1973, Bordaberry dissolveu o Parlamento e o substituiu por um Conselho de Estado designado pelo Poder Executivo, tornando-se de fato ditador.

Bordaberry foi detido em 2006 e sentenciado a 30 anos de prisão pela justiça que foi atrás dos que mataram guerrilheiros e soltou os que mataram pela causa socialista. A prisão de Bordaberry ocorreu depois que o então presidente uruguaio, Tabaré Vasquez, reabriu casos de violação de direitos humanos. Em 2007, Bordaberry ganhou o direito de cumprir a sua pena em casa, por causa da sua idade e saúde frágil. Ele morreu em 2011, aos 83 anos.

Derrotados, os Tupamaros deixaram a cena naquele momento, mas voltaram politicamente mais fortes com a redemocratização e a conquista do apoio da opinião pública com a ajuda da imprensa progressista e dos intelectuais das universidades e das artes. A idéia de que os guerrilheiros lutavam contra a ditadura antes dela existir, o que ocorreu só em 1973, suplantou a de que lutavam mesmo era pra implantar um socialismo ao estilo de Cuba no Uruguai.

Os Tupamaros retornaram à vida pública como um partido legal em 1985. É hoje o principal grupo da coalizão governamental Frente Ampla. Em 31 de outubro de 2004, dois antigos tupamaros, José Mujica e Nora Castro, tornaram-se presidentes das duas Casas do Congresso. Em 2009, Pépe Mujica foi eleito presidente da República.

Os Tupamaros continuam na politica uruguaia.

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